Podcast 45 graus, de José Maria Pimentel
Conversa com Lívia Franco, professora e investigadora no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa (IEPUCP) e Investigadora Associada do think-tank pan-europeu European Center for Foreign Relations (ECFR).
No podcast, são abordados três aspetos fundamentais sobre o tema
Excerto da webpage:
" Primeiro, as motivações da Rússia para a invasão.
(...)
A verdade é que as motivações russas são complexas e difíceis de discernir. Há quem veja na invasão simplesmente a loucura de um déspota isolado pela pandemia, que vê neo-nazis em todo o lado. Mas essa explicação é, necessariamente, curta. Já todos vimos também a invasão ser descrita numa lógica mais consequente como a vontade de Putin em recuperar o território da antiga URSS; mas também é muitas vezes descrita como uma reacção à ameaça trazida pela suposta intenção da Nato de expandir a leste. Da mesma forma, há quem diga que a preocupação da cúpula russa está não tanto no território ou estritamente na ameaça bélica, mas sobretudo na aproximação dos governos e da política ucraniana nos últimos anos na direcção das democracias liberais ocidentais. E há mesmo quem sugira, como faz a convidada, que a guerra tem também a intenção de afirmar o poder russo num mundo a convergir para dois polos: EUA e China. Vale, por isso, a pena tentar perceber melhor estas explicações políticas e, sobretudo, o modo como se relacionam entre si.
O segundo aspecto que abordámos na conversa é o passo seguinte: qual poderá ser o desfecho da guerra? Nesta altura, parece quase certo que nem a Rússia nem a Ucrânia irão poder cantar vitória e que o desfecho terá de decorrer, por isso, pela via negocial. E aí, que cedências, que compromissos poderão estar em cima da mesa? O que poderá ser aceitável para ambos os lados e, desejavelmente, dar alguma estabilidade geopolítica.
E, finalmente, o terceiro tópico que discutimos, que está relacionado com este, é o mais importante de todos: que implicações terá esta guerra na Ordem Mundial?
A convidada lembra a certo ponto a famosa tese do cientista político norte-americano Francis Fukuyama, no seu livro de 1992, “O fim da História”. Segundo esta tese, a queda da URSS, que acabava de ocorrer — e, com ela, do modelo comunista — trazia consigo a convergência do Mundo inteiro para a ordem liberal do modelo ocidental: com democracia, economia de mercado, defesa dos direitos humanos, respeito pela integridade territorial dos Estados e da auto-determinação dos povos. No meu livro, pego na tese de Fukuyama para mostrar que esta era demasiado optimista no que diz respeito à suposta superioridade prática das democracias, como tem ficado evidente com a expansão dos populismos este século.
Na nossa conversa, a convidada assinala como a tese de Fukuyama estava também errada na sua vertente geopolítica, uma vez que, apesar do sistema de instituições multilaterais que hoje existem, como a ONU, e da integração da economia mundial, ainda é possível a líderes autocráticos usar o seu poder e capacidade de acicatar sentimentos nacionalistas entre a população para invadir outros países, desrespeitando estes princípios.
A invasão da Ucrânia veio, assim, mostrar que esta expectativa era ingénua. Ao mesmo tempo, a acção da Rússia forçou os países, sobretudo aqueles com mais peso geopolítico, a porem as cartas na mesa: contra a Rússia (como a generalidade dos países ocidentais) ou a favor desta — ou, pelo menos, assumindo uma postura ambígua, como países como a Índia têm tentado fazer. E o retrato que tem emergido é, aliás, menos harmonioso do que possa parecer aos olhos ocidentais, pois nem todos os países estão dispostos a alinhar na postura de condenação absoluta ao regime de Putin.
O que parece hoje quase certo é que a invasão da Ucrânia irá alterar a Ordem Mundial. Mas para onde? Segundo a convidada, a acção da Rússia, ao invés de dar um renovado peso na arena mundial pode, pelo contrário, precipitado a tendência que vinha ganhando forma este século: a emergência de um mundo bipolar dividido entre os EUA e a China".
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